A marca própria do distribuidor, por José António Rousseau

HiperSuper, 21.11.2012

A marca própria do distribuidor

A marca própria do distribuidor tem, basicamente, o objectivo económico de permitir que o distribuidor melhore a sua posição concorrencial, quer na compra quer na venda e o objectivo estratégico de fidelizar consumidores.

O seu desenvolvimento tem vindo a assumir diversas formas, nomeadamente: 1) como exclusivo de sortido com ênfase no preço (Lidl e Aldi); 2) como alternativa mais barata mas garantindo uma boa relação preço/qualidade (Intermarché, Auchan e Dia); e 3) como inovações de valor acrescentado procurando diferenciar-se das marcas industriais (Continente e Pingo Doce em Portugal, Tesco e Safeway no Reino Unido e Mercadona em Espanha).

Não obstante os inegáveis benefícios auferidos pelos produtores, em termos de optimização da produção e de redução de custos de marketing, de um modo geral, as marcas próprias dos distribuidores têm sido percepcionadas por aqueles como uma ameaça, na medida em que disputam espaço no ponto de venda e a preferência do consumidor, e, portanto, a participação no mercado. Daí que, quando colocados perante o dilema de fabricarem marcas próprias para os distribuidores, os industriais tenderem a reagir de forma radical: ou as fazem ou não as fazem.

Porém, a resposta raramente é apenas um “sim” ou um “não”, admitindo mesmo diversos matizes e diferentes possibilidades de resposta.

De facto, se é verdade que as marcas próprias dos distribuidores representam um segmento de mercado com grande potencial de crescimento, que as economias de escala justificam a procura de volumes de produção adicionais, que proporcionam o aumento dos níveis de controlo tecnológico e o poder de compra de matérias-primas, que oferecem uma oportunidade de competir em preço com outros produtos de marca e que, (como é cada vez mais importante nos dias de hoje), podem contribuir para melhorar as relações com as empresas de distribuição, também não deixa de ser verdadeiro que, para os industriais, o crescimento da quota de mercado através das marcas do distribuidor se faz à custa da sua rentabilidade, uma vez que aumenta a sensibilidade ao preço e faz baixar as margens, que a informação que proporciona às empresas distribuidoras pode ameaçar os seus produtos de marca, chocar com a sua estratégia ou questionar os seus níveis de qualidade e, ainda, dispersar a atenção ou afectar a percepção que os consumidores possuem das suas próprias marcas.

O facto de produzirem ao mesmo tempo as suas marcas e as dos distribuidores pode desencadear, no interior das empresas, contradições internas e conflitos graves que, mal geridos, poderão ter sérias e devastadoras consequências. Na verdade, os industriais têm razões para estar preocupados, mas nada justifica que fiquem desesperados e muito dependerá da forma como consigam transformar esta efectiva ameaça numa eventual oportunidade.

E não adianta a indústria pretender parar o vento com as mãos, insurgindo-se contra as alegadas imitações das suas marcas pelos distribuidores.

Porque se, por um lado, existe entre os próprios fabricantes cada vez maior uniformidade de formatos e estilos, por outro lado, como já dizia Dennis Defforey, um dos fundadores do Carrefour, “é sempre bom ser imitado. Enquanto os nossos concorrentes nos imitam, não estão a inovar”.

Ora, a capacidade de inovação das marcas dos distribuidores é que se afigura como uma ameaça de complexa resolução para os fabricantes.

E se é certo que o papel dos distribuidores não tem sido o de «inventores» de produtos, nada impedirá que comecem a propor aos clientes a exclusividade de aquisição de produtos inéditos e diferentes em certos nichos de mercado. É inquestionável que o avanço das marcas do distribuidor desenha hoje uma tendência de recorte internacional, consequência do progressivo esbatimento das diferenças entre industriais e distribuidores e do crescendo de notoriedade das insígnias destes.

Não surpreende, assim, a existência, desde 1979, de uma associação internacional denominada PLMA (Private Label Manufacturers Association), que já representa mais de 700 empresas industriais com produção exclusiva para marcas de distribuidor. Quem sabe se não se caminhará de marca própria em marca própria até à marca global, como manifestação suprema de união entre a indústria e a distribuição ou se, como profetizou Philip Kottler, “no futuro, haverá duas ou três marcas. Todas as outras serão marcas do distribuidor”.

Na verdade, o grau de exigência dos distribuidores quanto às suas marcas é cada vez maior em termos de qualidade e apresentação.

Os cadernos de encargos que há poucos anos não possuíam mais de duas páginas raramente são hoje inferiores a 20 páginas com especificações complexas e rigorosas. O controlo de qualidade, que antes era unicamente exercido pelos fabricantes, é agora assumido igualmente pelos distribuidores. As embalagens que dificilmente se diferenciavam das utilizadas pelos industriais são agora objecto de exigências em termos de inovações e informação aos consumidores.

O patamar mínimo de qualidade exigido, que antes ainda se admitia poder ser inferior ao dos fabricantes, é colocado hoje a um nível pelo menos igual ao dos produtos líderes ou mesmo mais elevado.

Porém, a maior parte dos distribuidores, não obstante as suas marcas próprias possuírem muitas vantagens (pois contribuem para fidelizar clientes, proporcionam boas margens líquidas, aumentam a notoriedade da insígnia e enfraquecem a capacidade negocial dos fornecedores), não podem prescindir totalmente das marcas dos fabricantes.

Na verdade, estas ainda acumulam importantes características, fazendo pesados investimentos em investigação e comunicação, facto que as tornam imprescindíveis junto dos consumidores que as exigem.

Em termos de futuro, a repartição do mercado irá processar-se através do alargamento da faixa de marcas de distribuidor e de marcas líderes dos fabricantes e da redução da faixa de marcas intermédias de menor notoriedade. Mas, por maior que seja a notoriedade de qualquer marca, os consumidores atribuem cada vez mais importância a outros factores, nomeadamente o tipo e a extensão das garantias que fornece, a sua acessibilidade e principalmente o seu valor agregado, isto é, a relação entre os componentes preço, qualidade e serviço.

No Reino Unido, cujo mercado de marcas próprias já se encontra muito amadurecido, possuindo mesmo uma das mais elevadas quotas de mercado da Europa, com mais de 50%, os distribuidores britânicos estão a acentuar desta forma a sua pressão sobre as grandes marcas e a “empurrá-las” cada vez mais para fora dos lineares.

Recorde-se, a propósito, que o maior fabricante de produtos de higiene e limpeza do Reino Unido é uma empresa chamada McBride, que só fabrica marcas próprias.

Também é preciso não esquecer que o modelo de implantação de marcas próprias seguido no Reino Unido foi, até ao momento, o da cooperação entre industriais e distribuidores, ao passo que em França, Espanha e Portugal o modelo seguido se tem baseado no confronto entre uns e outros. Embora hoje ainda ninguém o conteste, o futuro encarregar-se-á de desactualizar a famosa frase atribuída a Etienne Thil, criador dos “produtos livres” do Carrefour, de que “a marca própria faz-se para ganhar dinheiro e melhorar o nível das margens”.

Leia aqui a primeira parte

José António Rousseau

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